quinta-feira, julho 01, 2010

Coluna: Manuel Correia de Andrade.

Lembro quando todos os domingos, o grande intelectual das Ciências Humanas, Manuel Correia de Andrade escrevia na coluna "Opinião" do Jornal do Comércio em Pernambuco. Fazia questão de ler e guardar esses artigos. Posteriormente digitalizei todos os textos e vou passar a socializar alguns desses textos no blog.

  O Sentido da História (1)
Publicado em 23.04.2006

A população tem idéias as mais diversas do que seja a história, para cada pessoa ela assume um aspecto e um objetivo diferente. Existem os que utilizam as informações históricas para glorificar aqueles que lhes são caros ou para apagar a ação dos que lhes são antagônicos, muitas vezes reduzindo a história a referências aos seus antepassados. Quando escrevem livros sobre áreas municipais, as brigas de família se tornam, muitas vezes, verdadeiros breviários em pequenos municípios.

Há os que esquecem a história municipal, por considerá-la de menor importância, preocupando-se mais com os fatos internacionais e nacionais do que com os estaduais e locais. Assim, alguns Estados quase não possuem livros que contem a sua história, isso em um país onde um dos seus maiores historiadores, Capistrano de Abreu, afirmou que só se poderia escrever a verdadeira história do Brasil, após se escrever a história das várias regiões do País. A maioria dos livros de interesse de história regional se resume a monografias sobre fatos e ocorrências que perturbaram a vida desses mesmos Estados.

A história do Brasil está escrita de forma muito pontual, destacando determinados fatos, como o descobrimento, as capitanias hereditárias, a luta contra os holandeses, as bandeiras, a Independência, a Guerra do Paraguai, a Proclamação da República, a Revolução de Trinta, a Era Vargas, o golpe de 64, o regime militar que de 1964 a 1985 dominou o País e sobre os dias atuais. Ela é feita como se tivesse ocorrido em pontos de tensão alternados com períodos de calmaria, praticamente de paralisação.

Sobre esses temas, em Pernambuco, que até 1818 incluía também Alagoas, destacaram-se a implantação e o desenvolvimento da Capitania de Duarte Coelho, a guerra holandesa, com figuras glorificadas, a Guerra dos Mascates, as revoluções ditas liberais de 1817 e 1824, a Revolta Praieira, a campanha abolicionista, a Escola do Recife, a República Velha ou Primeira República, com a renovação da indústria açucareira.

Na abordagem desses temas não se tem dado relevância a aspectos muito importantes, como o processo de ocupação canavieira com a implantação de vegetais e animais europeus e orientais, o estímulo à migração ibérico-latina com portugueses, espanhóis e, em menor escala, italianos, a expropriação e a escravização dos indígenas nativos e o desenvolvimento do tráfico de escravos negros da África para o Brasil. Implantou-se, assim, nos primeiros séculos, os sistema colonial, a colonização que deu origem a uma sociedade estruturada em classes, onde os brancos eram os senhores e os indígenas e negros, as classes inferiores ou subalternas, destinadas a fazer o trabalho grosseiro. Os brancos mandavam e índios e negros serviam ou, às vezes, se revoltavam, fugindo para os lugares mais distantes.

A chamada guerra holandesa, que durou 24 anos, é cantada em prosa e verso e, em geral, divide os estudiosos em duas facções: os que glorificam a colonização portuguesa, que teria sido mais liberal do que a holandesa, e os “flamengos”, que defendem a superioridade do holandês como colonizador e glorificam o conde Maurício de Nassau por sua formação humanista e pela habilidade no relacionamento com os grupos brancos mais importantes: holandeses, portugueses e judeus. Os anti-Nassau têm os seus gurus em André Vidal de Negreiros e em João Fernandes Vieira, heróis da Restauração.

Todo o período da segunda metade do século 17 e do século 18 é pouco estudado, destacando-se mais a rivalidade entre Olinda e o Recife e a famosa Guerra dos Mascates, em que uma e outra disputavam o controle da capitania. Na verdade, a Guerra dos Mascates foi uma verdadeira “luta de classes”, como afirmou Gilberto Osório de Andrade, porque representou a luta entre os senhores de engenho, que controlavam o poder em Olinda, e os comerciantes ou mascates, que dominavam o Recife.

Em livro escrito recentemente, procuramos desenvolver bem este período de reorganização da administração colonial e de formação do sentimento nativista, assim como o processo de penetração no Sertão, com lutas entre os senhores e os escravos e indígenas. É, assim, o momento histórico, século 17, de consolidação da estrutura colonial, com ou sem dependência da metrópole. É a preparação, feita pela classe dominante, para uma futura vida de país independente, mantendo porém a estrutura social econômica dominante.

Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL.


O Sentido da História (2)
Publicado em 30.04.2006

Ao estudarmos o século 19, não só devemos dar importância às chamadas revoluções libertárias – 1817 e 1824 – como também ao processo de independência, em que Pernambuco titubeou, como algumas outras províncias também o fizeram, entre formar um país, sob uma monarquia parlamentar, ou se constituir em uma república, separada das demais províncias.

Após a independência, foram postos em discussão alguns problemas importantes, como a questão regional, tão forte na Revolta Praeira, a questão da escravatura e as revoltas das então classes “subalternas”, com a Guerra dos Cabanos, o Quilombo de Catucá, a questão religiosa, a revolta popular dos Quebra-Quilos e as perdas territoriais de Pernambuco, com a criação de Alagoas, e o desmembramento do seu território, a comarca do São Francisco, doado pelo imperador à Bahia. A vida cultural do Recife teve grande importância com as disputas filosóficas na Faculdade de Direito, com a chamada Escola do Recife.

Ainda é feita, na análise do século 20, o estudo dos fatos mais recentes, como a evolução da agro-indústria açucareira e de beneficiamento do algodão, o desenvolvimento de ferrovias ligando o Recife a cidades do interior e a Estados vizinhos, a passagem pelo Sertão da coluna Prestes, a Revolução de 30, os movimentos populares de luta pela terra – ligas camponesas e sindicatos rurais –, o governo progressista de Miguel Arraes, o golpe de 64, a repressão militar e a redemocratização.

Em todos estes aspectos os fatos ocorridos em Pernambuco estiveram relacionados com o ocorrido no Brasil, de vez que, sendo Pernambuco um Estado que participa de uma federação, sua história está inteiramente entrelaçada com a mesma.

De uma forma geral, observa-se que Pernambuco, por muitos anos, teve certa liderança regional, rivalizando com a Bahia em influência e destaque entre os demais Estados do Nordeste. Durante dezenas de anos, Salvador e Recife foram cidades bem mais populosas do que as capitais dos Estados vizinhos e se destacaram pelos seus estabelecimentos de ensino superior – a Faculdade de Direito no Recife e a de Medicina em Salvador –, por terem vida cultural e econômica mais intensas e terem se tornado centros de desenvolvimento industrial antes de outras capitais nordestinas. Foram, além disso, favorecidas com a implantação de estradas de ferro que demandavam o interior.

A primeira estrada de ferro, a partir do Recife, dirigia-se para o São Francisco, mas logo em seguida foram construídas estradas de ferro em direção ao interior, para nororeste em direção a Limoeiro e para o oeste em direção ao Sertão, atravessando o maciço da Borborema. Essas ferrovias se estenderiam também para o sul até Maceió e para o norte até Natal, formando uma verdadeira rede ferroviária. Ao iniciar-se o surto rodoviário, nas primeiras décadas do século 20, o Recife consolidou a posição de liderança em nível macrorregional que hoje possui.

Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL. 

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Lembro quando todos os domingos, o grande intelectual das Ciências Humanas, Manuel Correia de Andrade escrevia na coluna "Opinião" do Jornal do Comércio em Pernambuco. Fazia questão de ler e guardar esses artigos. Posteriormente digitalizei todos os textos e vou passar a socializar alguns desses textos no blog.

  O Sentido da História (1)
Publicado em 23.04.2006

A população tem idéias as mais diversas do que seja a história, para cada pessoa ela assume um aspecto e um objetivo diferente. Existem os que utilizam as informações históricas para glorificar aqueles que lhes são caros ou para apagar a ação dos que lhes são antagônicos, muitas vezes reduzindo a história a referências aos seus antepassados. Quando escrevem livros sobre áreas municipais, as brigas de família se tornam, muitas vezes, verdadeiros breviários em pequenos municípios.

Há os que esquecem a história municipal, por considerá-la de menor importância, preocupando-se mais com os fatos internacionais e nacionais do que com os estaduais e locais. Assim, alguns Estados quase não possuem livros que contem a sua história, isso em um país onde um dos seus maiores historiadores, Capistrano de Abreu, afirmou que só se poderia escrever a verdadeira história do Brasil, após se escrever a história das várias regiões do País. A maioria dos livros de interesse de história regional se resume a monografias sobre fatos e ocorrências que perturbaram a vida desses mesmos Estados.

A história do Brasil está escrita de forma muito pontual, destacando determinados fatos, como o descobrimento, as capitanias hereditárias, a luta contra os holandeses, as bandeiras, a Independência, a Guerra do Paraguai, a Proclamação da República, a Revolução de Trinta, a Era Vargas, o golpe de 64, o regime militar que de 1964 a 1985 dominou o País e sobre os dias atuais. Ela é feita como se tivesse ocorrido em pontos de tensão alternados com períodos de calmaria, praticamente de paralisação.

Sobre esses temas, em Pernambuco, que até 1818 incluía também Alagoas, destacaram-se a implantação e o desenvolvimento da Capitania de Duarte Coelho, a guerra holandesa, com figuras glorificadas, a Guerra dos Mascates, as revoluções ditas liberais de 1817 e 1824, a Revolta Praieira, a campanha abolicionista, a Escola do Recife, a República Velha ou Primeira República, com a renovação da indústria açucareira.

Na abordagem desses temas não se tem dado relevância a aspectos muito importantes, como o processo de ocupação canavieira com a implantação de vegetais e animais europeus e orientais, o estímulo à migração ibérico-latina com portugueses, espanhóis e, em menor escala, italianos, a expropriação e a escravização dos indígenas nativos e o desenvolvimento do tráfico de escravos negros da África para o Brasil. Implantou-se, assim, nos primeiros séculos, os sistema colonial, a colonização que deu origem a uma sociedade estruturada em classes, onde os brancos eram os senhores e os indígenas e negros, as classes inferiores ou subalternas, destinadas a fazer o trabalho grosseiro. Os brancos mandavam e índios e negros serviam ou, às vezes, se revoltavam, fugindo para os lugares mais distantes.

A chamada guerra holandesa, que durou 24 anos, é cantada em prosa e verso e, em geral, divide os estudiosos em duas facções: os que glorificam a colonização portuguesa, que teria sido mais liberal do que a holandesa, e os “flamengos”, que defendem a superioridade do holandês como colonizador e glorificam o conde Maurício de Nassau por sua formação humanista e pela habilidade no relacionamento com os grupos brancos mais importantes: holandeses, portugueses e judeus. Os anti-Nassau têm os seus gurus em André Vidal de Negreiros e em João Fernandes Vieira, heróis da Restauração.

Todo o período da segunda metade do século 17 e do século 18 é pouco estudado, destacando-se mais a rivalidade entre Olinda e o Recife e a famosa Guerra dos Mascates, em que uma e outra disputavam o controle da capitania. Na verdade, a Guerra dos Mascates foi uma verdadeira “luta de classes”, como afirmou Gilberto Osório de Andrade, porque representou a luta entre os senhores de engenho, que controlavam o poder em Olinda, e os comerciantes ou mascates, que dominavam o Recife.

Em livro escrito recentemente, procuramos desenvolver bem este período de reorganização da administração colonial e de formação do sentimento nativista, assim como o processo de penetração no Sertão, com lutas entre os senhores e os escravos e indígenas. É, assim, o momento histórico, século 17, de consolidação da estrutura colonial, com ou sem dependência da metrópole. É a preparação, feita pela classe dominante, para uma futura vida de país independente, mantendo porém a estrutura social econômica dominante.

Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL.


O Sentido da História (2)
Publicado em 30.04.2006

Ao estudarmos o século 19, não só devemos dar importância às chamadas revoluções libertárias – 1817 e 1824 – como também ao processo de independência, em que Pernambuco titubeou, como algumas outras províncias também o fizeram, entre formar um país, sob uma monarquia parlamentar, ou se constituir em uma república, separada das demais províncias.

Após a independência, foram postos em discussão alguns problemas importantes, como a questão regional, tão forte na Revolta Praeira, a questão da escravatura e as revoltas das então classes “subalternas”, com a Guerra dos Cabanos, o Quilombo de Catucá, a questão religiosa, a revolta popular dos Quebra-Quilos e as perdas territoriais de Pernambuco, com a criação de Alagoas, e o desmembramento do seu território, a comarca do São Francisco, doado pelo imperador à Bahia. A vida cultural do Recife teve grande importância com as disputas filosóficas na Faculdade de Direito, com a chamada Escola do Recife.

Ainda é feita, na análise do século 20, o estudo dos fatos mais recentes, como a evolução da agro-indústria açucareira e de beneficiamento do algodão, o desenvolvimento de ferrovias ligando o Recife a cidades do interior e a Estados vizinhos, a passagem pelo Sertão da coluna Prestes, a Revolução de 30, os movimentos populares de luta pela terra – ligas camponesas e sindicatos rurais –, o governo progressista de Miguel Arraes, o golpe de 64, a repressão militar e a redemocratização.

Em todos estes aspectos os fatos ocorridos em Pernambuco estiveram relacionados com o ocorrido no Brasil, de vez que, sendo Pernambuco um Estado que participa de uma federação, sua história está inteiramente entrelaçada com a mesma.

De uma forma geral, observa-se que Pernambuco, por muitos anos, teve certa liderança regional, rivalizando com a Bahia em influência e destaque entre os demais Estados do Nordeste. Durante dezenas de anos, Salvador e Recife foram cidades bem mais populosas do que as capitais dos Estados vizinhos e se destacaram pelos seus estabelecimentos de ensino superior – a Faculdade de Direito no Recife e a de Medicina em Salvador –, por terem vida cultural e econômica mais intensas e terem se tornado centros de desenvolvimento industrial antes de outras capitais nordestinas. Foram, além disso, favorecidas com a implantação de estradas de ferro que demandavam o interior.

A primeira estrada de ferro, a partir do Recife, dirigia-se para o São Francisco, mas logo em seguida foram construídas estradas de ferro em direção ao interior, para nororeste em direção a Limoeiro e para o oeste em direção ao Sertão, atravessando o maciço da Borborema. Essas ferrovias se estenderiam também para o sul até Maceió e para o norte até Natal, formando uma verdadeira rede ferroviária. Ao iniciar-se o surto rodoviário, nas primeiras décadas do século 20, o Recife consolidou a posição de liderança em nível macrorregional que hoje possui.

Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL. 

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