terça-feira, julho 17, 2012

Ser Historiador no Brasil do Século XXI.

Eis mais um excelente artigo que o site Cafe História oferece aos seus leitores, a fim de, ampliar ainda mais o debate sobre o conhecimento histórico, tendo em vista, a sua relevância acadêmica, social, econômica e política. E com muito prazer venho reproduzir esse debate para assim externar a grande admiração que tenho por todos os colaboradores deste renomado site.

Em artigo exclusivo para o Café História, o historiador Jurandir Malerba, professor da PUCRS e professor visitante da Cátedra Sérgio Buarque de Holanda, em Berlim, discute os desafios e as perspectivas do historiador brasileiro na atualidade. 

Por Jurandir Malerba.

Talvez um dos grandes diferenciais de nossa formação seja essa sensibilidade para perceber a historicidade (segundo Heidegger, Geschichtlichkeit - “a historicidade imanente à própria vida”), desde as ferramentas do ofício, o conhecimento dele resultante até nossa própria profissão. Se a isso se acusa uma “perspectiva historicista”, assim sou um historicista conformado. Mas trata-se de assunto que merece atenção. A historicidade da profissão, seu tempo presente e suas (e nossas, dos historiadores) perspectivas de futuro. Tomemos o tempo de sua profissionalização, a começar pela fundação da cátedra por Ranke em Berlim. Este luminar da historiografia do século XIX, ele mesmo, se não era lá um “aristocrata” avant la lettre, foi bem nascido numa família de luteranos, tendo se iniciado no aprendizado do grego e do latim desde tenra idade. Ainda na velha Germânia, os mais proeminentes destiladores do método crítico eram homens de berço: von Humboldt, Niebuhr, Droysen, Gervinus. Marx era de família remediada, mas Engels de industrial. Na França talvez a exceção a confirmar a regra seja Michelet. Chateaubriand morreu visconde, de família da antiga nobreza da Bretanha. Do outro lado da Mancha, os Macaulay estão associados àquela minoria distinta servida por homens, armas e cavalos, egressos de Oxford e Cambridge e ocupantes de altos escalões em Westminster. Assim como Lord Acton, cujo título honorífico que precede seu nome já o situa . No Brasil, não carece estender, a historiografia nasceu nas sessões dominicais do IHGB, Auspice Petro Secundo, Pacifica Scientiæ Occupatio. 

No século XX uma burguesia bem formada, autodidata, fez a história. Bourdieu e Boaventura Santos estudaram o assunto. No Brasil, Oliveira Lima, Caio Prado, Sérgio Buarque, Faoro são nomes ligados a atividades urbanas, às artes e ofícios liberais. Mas tudo mudou drasticamente desde a década de 1970, quando a história começou a se profissionalizar a partir dos PPG’s nas universidades. Quando eu me formei no final dos 80’s, havia lá uma dúzia de PPG’s, se tanto. A vocação natural de cada departamento criado era capacitar seu quadro docente para formar programa próprio. Assim se fez nas últimas três décadas e hoje (avaliação trienal de 2010) somos 54 PPG’s, 81 cursos, 54 mestrados acadêmicos, 26 doutorados e apenas dois mestrados profissionais (o da FGV em Bens Culturais e projetos sociais e o recém-criado mestrado profissional em História da FURG com área de concentração em História, pesquisa e vivências de ensino-aprendizagem). E aqui eu chego ao ponto. 

 Nos últimos oito anos criaram-se dezenas de novas universidades públicas (nos três âmbitos) e privadas. É de se pensar seriamente se a vocação – ou a única opção - de cada novo departamento seja a constituição de um novo programa acadêmico. Competirão com aqueles consolidados, com décadas de experiência, infra-estrutura estabelecida, milhares de teses defendidas. Uma competição desleal e, a meu ver, desnecessária. O Brasil de hoje não é o mesmo do final dos anos 1980 (aleluia!). Mas passa por uma “crise de crescimento”, cujo ponto maior de estrangulamento é a Educação. O caminho é o da revolução coreana – e desejo crer que o mestrado da FURG aponte para uma tendência. Compete-nos suprir uma gigantesca demanda reprimida por qualificação. Carecem de capacitação os jovens historiadores abertos às novas faces do mercado, nas instituições públicas e privadas ligadas à preservação da memória e patrimônio, ao lazer e tempo livre, à mídia e novas tecnologias e linguagens de comunicação e mesmo ao business. Sobretudo, precisamos qualificar os historiadores que estão lá na ponta, na sala de aula, na nobre e difícil missão de educar jovens cidadãos brasileiros. Foi-se tempo de Ranke, Braudel, Sérgio Buarque, de teses como O Mediterrâneo e Visões do Paraíso. É hora e vez de repensarmos nossa missão no cenário brasileiro. O mestrado profissional poderá ser o caminho para o fortalecimento da área e do país. 

Jurandir Malerba: Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, mestre em história pela Universidade Federal Fluminense e doutor pela Universidade de São Paulo. É atualmente professor de história na PUCRS. Em 2012, inaugurou a Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros na Freie Universität, Berlim. Sua produção científica se concentra principalmente nas seguintes áreas: história moderna e contemporânea; história das idéias no Brasil; formação do estado e da nação no Brasil; teoria e história da historiografia. É lider do grupo de pesquisa Teoria e História da Historiografia, do CNPq desde 2002.

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Eis mais um excelente artigo que o site Cafe História oferece aos seus leitores, a fim de, ampliar ainda mais o debate sobre o conhecimento histórico, tendo em vista, a sua relevância acadêmica, social, econômica e política. E com muito prazer venho reproduzir esse debate para assim externar a grande admiração que tenho por todos os colaboradores deste renomado site.

Em artigo exclusivo para o Café História, o historiador Jurandir Malerba, professor da PUCRS e professor visitante da Cátedra Sérgio Buarque de Holanda, em Berlim, discute os desafios e as perspectivas do historiador brasileiro na atualidade. 

Por Jurandir Malerba.

Talvez um dos grandes diferenciais de nossa formação seja essa sensibilidade para perceber a historicidade (segundo Heidegger, Geschichtlichkeit - “a historicidade imanente à própria vida”), desde as ferramentas do ofício, o conhecimento dele resultante até nossa própria profissão. Se a isso se acusa uma “perspectiva historicista”, assim sou um historicista conformado. Mas trata-se de assunto que merece atenção. A historicidade da profissão, seu tempo presente e suas (e nossas, dos historiadores) perspectivas de futuro. Tomemos o tempo de sua profissionalização, a começar pela fundação da cátedra por Ranke em Berlim. Este luminar da historiografia do século XIX, ele mesmo, se não era lá um “aristocrata” avant la lettre, foi bem nascido numa família de luteranos, tendo se iniciado no aprendizado do grego e do latim desde tenra idade. Ainda na velha Germânia, os mais proeminentes destiladores do método crítico eram homens de berço: von Humboldt, Niebuhr, Droysen, Gervinus. Marx era de família remediada, mas Engels de industrial. Na França talvez a exceção a confirmar a regra seja Michelet. Chateaubriand morreu visconde, de família da antiga nobreza da Bretanha. Do outro lado da Mancha, os Macaulay estão associados àquela minoria distinta servida por homens, armas e cavalos, egressos de Oxford e Cambridge e ocupantes de altos escalões em Westminster. Assim como Lord Acton, cujo título honorífico que precede seu nome já o situa . No Brasil, não carece estender, a historiografia nasceu nas sessões dominicais do IHGB, Auspice Petro Secundo, Pacifica Scientiæ Occupatio. 

No século XX uma burguesia bem formada, autodidata, fez a história. Bourdieu e Boaventura Santos estudaram o assunto. No Brasil, Oliveira Lima, Caio Prado, Sérgio Buarque, Faoro são nomes ligados a atividades urbanas, às artes e ofícios liberais. Mas tudo mudou drasticamente desde a década de 1970, quando a história começou a se profissionalizar a partir dos PPG’s nas universidades. Quando eu me formei no final dos 80’s, havia lá uma dúzia de PPG’s, se tanto. A vocação natural de cada departamento criado era capacitar seu quadro docente para formar programa próprio. Assim se fez nas últimas três décadas e hoje (avaliação trienal de 2010) somos 54 PPG’s, 81 cursos, 54 mestrados acadêmicos, 26 doutorados e apenas dois mestrados profissionais (o da FGV em Bens Culturais e projetos sociais e o recém-criado mestrado profissional em História da FURG com área de concentração em História, pesquisa e vivências de ensino-aprendizagem). E aqui eu chego ao ponto. 

 Nos últimos oito anos criaram-se dezenas de novas universidades públicas (nos três âmbitos) e privadas. É de se pensar seriamente se a vocação – ou a única opção - de cada novo departamento seja a constituição de um novo programa acadêmico. Competirão com aqueles consolidados, com décadas de experiência, infra-estrutura estabelecida, milhares de teses defendidas. Uma competição desleal e, a meu ver, desnecessária. O Brasil de hoje não é o mesmo do final dos anos 1980 (aleluia!). Mas passa por uma “crise de crescimento”, cujo ponto maior de estrangulamento é a Educação. O caminho é o da revolução coreana – e desejo crer que o mestrado da FURG aponte para uma tendência. Compete-nos suprir uma gigantesca demanda reprimida por qualificação. Carecem de capacitação os jovens historiadores abertos às novas faces do mercado, nas instituições públicas e privadas ligadas à preservação da memória e patrimônio, ao lazer e tempo livre, à mídia e novas tecnologias e linguagens de comunicação e mesmo ao business. Sobretudo, precisamos qualificar os historiadores que estão lá na ponta, na sala de aula, na nobre e difícil missão de educar jovens cidadãos brasileiros. Foi-se tempo de Ranke, Braudel, Sérgio Buarque, de teses como O Mediterrâneo e Visões do Paraíso. É hora e vez de repensarmos nossa missão no cenário brasileiro. O mestrado profissional poderá ser o caminho para o fortalecimento da área e do país. 

Jurandir Malerba: Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, mestre em história pela Universidade Federal Fluminense e doutor pela Universidade de São Paulo. É atualmente professor de história na PUCRS. Em 2012, inaugurou a Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros na Freie Universität, Berlim. Sua produção científica se concentra principalmente nas seguintes áreas: história moderna e contemporânea; história das idéias no Brasil; formação do estado e da nação no Brasil; teoria e história da historiografia. É lider do grupo de pesquisa Teoria e História da Historiografia, do CNPq desde 2002.

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