quinta-feira, setembro 20, 2012

As Bases Para Uma Política Econômica Alternativa.

O fato de que seja impossível cortar com um só golpe a dependência em relação ao capital financeiro não significa que não haja outro remédio do que exportar soja, apelar à mineração depredadora, dedicar terras aptas a produzir alimentos para o cultivo de biocombustíveis para a poluente indústria automobilística. É possível, ao invés disso, adotar medidas que reduzam a dependência em relação a um pequeno grupo de grandes empresas que controlam a economia. 

Os governos chamados “progressistas” mantêm laços estreitos com o capital financeiro internacional e seguem adotando políticas neoliberais. Os Estados que eles tratam de dirigir estão em grande medida determinados e dirigidos pelas imposições do mercado mundial de mercadorias e capitais. Exportam, por exemplo, sobretudo petróleo, madeira, produtos minerais, soja e grãos alimentícios a preços fixados no exterior e por meio de grandes oligopólios transnacionais, mesclados, no melhor dos casos, com algumas empresas paraestatais mistas, como Petrobras ou YPF, já que a venezuelana PDVSA ou a mexicana Pemex são exceções e de modo nenhum a regra. 

Além disso, em todos os Estados dependentes que realizam tentativas neodesenvolvimentistas, estejam ou não governados por “governos progressistas”, a terra sofre um processo de estrangeirização cada vez maior e a megamineração predadora destrói regiões inteiras e o modo de vida de seus habitantes, provocando grandes conflitos sociais. Deste modo, e em plena crise capitalista mundial que aumenta mais as tensões econômicas, a dependência se aprofunda ainda mais e o futuro segue sendo hipotecado ao capital financeiro internacional. 

Obviamente, os governos não podem mudar com um golpe de mágica o caráter do Estado nem as estruturas econômicas. As mudanças são o resultado de um longo processo de transformações sociais impulsionado pela mobilização popular que, em parte, eles canalizam e orientam. Por conseguinte, é inevitável um período de transição marcado por reformas importantes, as quais, porém, não afetam senão em parte a continuidade das máculas, deformações e misérias impostas pelo entrelaçamento entre as estruturas oligárquicas de poder e as novas servidões instaladas e enraizadas pelo capital financeiro internacional. 

A garantia de que esse processo de transição, inevitavelmente ziguezagueante, avance e não fique estagnado, é dada pelo impulso dos movimentos sociais que ajuda a modificar o aparato estatal a mudar as relações de forças sociais e, sobretudo, reside na independência dos mesmos frente a todas as forças capitalistas, incluindo o próprio Estado. O governo que tenta subordinar os movimentos sociais e retirar sua independência, converte suas direções em parte do aparato estatal e debilita assim sua própria base na luta por enterrar o passado e por adquirir maior independência frente o capital financeiro internacional e seus agentes. 

Mas o fato de que seja impossível cortar com um só golpe a dependência em relação ao mercado mundial e ao capital financeiro não significa que não haja outro remédio do que exportar mais commodities, como a soja, apelar à mineração depredadora, dedicar terras aptas a produzir alimentos para o cultivo de biocombustíveis para a poluente indústria automobilística. 

É possível, ao invés disso, adotar medidas que, ao mesmo tempo, reduzam a dependência em relação a um punhado de grandes empresas que controlam a economia e criem as condições para uma reestruturação do ambiente e do território segundo as necessidades nacionais (preservação do meio ambiente, criação de trabalho qualificado, reordenamento do território e da utilização dos recursos que hoje são escravos do lucro empresarial e do mercado mundial). 

Por exemplo, ao invés de pisotear os direitos indígenas, as autonomias e a Constituição impondo a construção do segundo braço da estrada do Tipnis em seu traçado atual, o governo boliviano poderia ter aberto esse caminho por outra região porque, ainda que essa obra fosse mais demorada, cara e difícil, teria preservado em troca sua credibilidade ante um setor importante das maiorias populares, teria demonstrado o rompimento com o decisionismo autoritário e o neodesenvolvimentismo, e teria evitado dividir o movimento campesino, fomentando o predomínio do interesse próprio sobre a construção coletiva de um novo Estado. A estrada assim construída teria cumprido com seu papel na circulação de mercadorias e na abertura da Bolívia ao comércio dos dois oceanos, mas teria reforçado um elemento potencialmente anticapitalista: a solidariedade dos diversos setores populares bolivianos, a autonomia, a construção de poderes democráticos locais. 

A expropriação do setor financeiro é também uma medida reformista (que foi adotada por François Miterrand), assim como o seria uma reforma agrária profunda que dê terra a milhões de camponeses no Brasil. Do mesmo modo, o monopólio estatal do comércio exterior, com o fim de utilizar para o desenvolvimento nacional parte dos lucros do mesmo e romper o poder dos poucos oligopólios que controlam as exportações – como fez o governo de Perón, que não era propriamente socialista, ao criar o Instituto Argentino Promotor do Intercâmbio (IAPI) – ou o controle da política cambial (aplicado pela Venezuela para evitar a exportação de capitais). Outras reformas possíveis seriam uma lei de proteção da água e dos bens comuns, assim como uma lei de fomento da agricultura familiar que, ao assentar os trabalhadores na terra, reduziria as migrações e, mediante a rotação de cultivos e sua diversificação e um uso racional da água, protegeria o ambiente, além de garantir o abastecimento alimentar nacional. Mas é evidente que este tipo de reformas não está destinado a preservar, mas sim a preparar a mudança do sistema e, portanto, o capital financeiro resiste a elas com unhas e dentes. 

Obviamente, sua aplicação depende da relação de forças entre as classes que possa existir em cada país, do grau de consciência e de mobilização dos trabalhadores, da existência no seio dos governos “progressistas” – o que nem sempre é o caso – de um setor plebeu disposto a ser mais audacioso e a apoiar-se em um bloco sólido formado com os setores populares e de abrir uma via a um período turbulento de transição. O problema chave, portanto, consiste em formar esse bloco com um projeto de transição próprio e em forçar com o mesmo a separação, no magma atual dos governos “progressistas”, dos que realmente querem mudanças populares, mas se subordinam hoje aos burocratas conservadores e dos reacionários que consideram naturais as políticas do capital e sustentam que não alternativa possível a elas. 

Os intelectuais que, em nome do realismo e para defender “o mal menor” aceitam sem reclamar as políticas neodesenvolvimentistas debilitam a saída popular e reforçam o grande capital. E os que, em trocam, condenam justamente essas políticas, mas não oferecem outras, viáveis, teoricamente capitalistas, mas incompatíveis na realidade com o capital, são tão impotentes como os primeiros. Nem uns nem outros confiam que esse tipo de “reformas revolucionárias”, se impostas com o respaldo de uma mobilização popular, reduziriam grandemente o poder das classes dominantes e mudariam a relação de forças no país e na região. 

As medidas mencionadas, mais outras, como por exemplo a unificação dos recursos de vários países para criar uma Universidade latino-americana que não forme técnicos e profissionais para o capital, mas sim os futuros defensores de um desenvolvimento científico e tecnológico anticapitalista, ou de um pólo tecnológico comum que não esteja subordinado aos interesses das empresas privadas e que estude e organize a preservação dos bens comuns e a utilização racional dos recursos, aumentariam, ao mesmo tempo, a produção e a produtividade assim o aprendizado popular de uma planificação local de recursos e necessidades para ampliar os espaços democráticos e culturais conquistados. Uma lei de controle dos trabalhadores sobre a contabilidade empresarial permitiria igualmente reduzir as suspensões e demissões e racionalizar a produção industrial, fornecendo as bases para uma reestruturação desde baixo do aparato produtivo. A transição não pode ficar nas mãos de uns poucos iluminados. Ou ela é feita por seus beneficiários ou não será possível. 

Por Guillermo Almeyra  - membro do Conselho Editorial de SinPermiso. 
Tradução: Katarina Peixoto.
FONTE: Carta Maior.

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O fato de que seja impossível cortar com um só golpe a dependência em relação ao capital financeiro não significa que não haja outro remédio do que exportar soja, apelar à mineração depredadora, dedicar terras aptas a produzir alimentos para o cultivo de biocombustíveis para a poluente indústria automobilística. É possível, ao invés disso, adotar medidas que reduzam a dependência em relação a um pequeno grupo de grandes empresas que controlam a economia. 

Os governos chamados “progressistas” mantêm laços estreitos com o capital financeiro internacional e seguem adotando políticas neoliberais. Os Estados que eles tratam de dirigir estão em grande medida determinados e dirigidos pelas imposições do mercado mundial de mercadorias e capitais. Exportam, por exemplo, sobretudo petróleo, madeira, produtos minerais, soja e grãos alimentícios a preços fixados no exterior e por meio de grandes oligopólios transnacionais, mesclados, no melhor dos casos, com algumas empresas paraestatais mistas, como Petrobras ou YPF, já que a venezuelana PDVSA ou a mexicana Pemex são exceções e de modo nenhum a regra. 

Além disso, em todos os Estados dependentes que realizam tentativas neodesenvolvimentistas, estejam ou não governados por “governos progressistas”, a terra sofre um processo de estrangeirização cada vez maior e a megamineração predadora destrói regiões inteiras e o modo de vida de seus habitantes, provocando grandes conflitos sociais. Deste modo, e em plena crise capitalista mundial que aumenta mais as tensões econômicas, a dependência se aprofunda ainda mais e o futuro segue sendo hipotecado ao capital financeiro internacional. 

Obviamente, os governos não podem mudar com um golpe de mágica o caráter do Estado nem as estruturas econômicas. As mudanças são o resultado de um longo processo de transformações sociais impulsionado pela mobilização popular que, em parte, eles canalizam e orientam. Por conseguinte, é inevitável um período de transição marcado por reformas importantes, as quais, porém, não afetam senão em parte a continuidade das máculas, deformações e misérias impostas pelo entrelaçamento entre as estruturas oligárquicas de poder e as novas servidões instaladas e enraizadas pelo capital financeiro internacional. 

A garantia de que esse processo de transição, inevitavelmente ziguezagueante, avance e não fique estagnado, é dada pelo impulso dos movimentos sociais que ajuda a modificar o aparato estatal a mudar as relações de forças sociais e, sobretudo, reside na independência dos mesmos frente a todas as forças capitalistas, incluindo o próprio Estado. O governo que tenta subordinar os movimentos sociais e retirar sua independência, converte suas direções em parte do aparato estatal e debilita assim sua própria base na luta por enterrar o passado e por adquirir maior independência frente o capital financeiro internacional e seus agentes. 

Mas o fato de que seja impossível cortar com um só golpe a dependência em relação ao mercado mundial e ao capital financeiro não significa que não haja outro remédio do que exportar mais commodities, como a soja, apelar à mineração depredadora, dedicar terras aptas a produzir alimentos para o cultivo de biocombustíveis para a poluente indústria automobilística. 

É possível, ao invés disso, adotar medidas que, ao mesmo tempo, reduzam a dependência em relação a um punhado de grandes empresas que controlam a economia e criem as condições para uma reestruturação do ambiente e do território segundo as necessidades nacionais (preservação do meio ambiente, criação de trabalho qualificado, reordenamento do território e da utilização dos recursos que hoje são escravos do lucro empresarial e do mercado mundial). 

Por exemplo, ao invés de pisotear os direitos indígenas, as autonomias e a Constituição impondo a construção do segundo braço da estrada do Tipnis em seu traçado atual, o governo boliviano poderia ter aberto esse caminho por outra região porque, ainda que essa obra fosse mais demorada, cara e difícil, teria preservado em troca sua credibilidade ante um setor importante das maiorias populares, teria demonstrado o rompimento com o decisionismo autoritário e o neodesenvolvimentismo, e teria evitado dividir o movimento campesino, fomentando o predomínio do interesse próprio sobre a construção coletiva de um novo Estado. A estrada assim construída teria cumprido com seu papel na circulação de mercadorias e na abertura da Bolívia ao comércio dos dois oceanos, mas teria reforçado um elemento potencialmente anticapitalista: a solidariedade dos diversos setores populares bolivianos, a autonomia, a construção de poderes democráticos locais. 

A expropriação do setor financeiro é também uma medida reformista (que foi adotada por François Miterrand), assim como o seria uma reforma agrária profunda que dê terra a milhões de camponeses no Brasil. Do mesmo modo, o monopólio estatal do comércio exterior, com o fim de utilizar para o desenvolvimento nacional parte dos lucros do mesmo e romper o poder dos poucos oligopólios que controlam as exportações – como fez o governo de Perón, que não era propriamente socialista, ao criar o Instituto Argentino Promotor do Intercâmbio (IAPI) – ou o controle da política cambial (aplicado pela Venezuela para evitar a exportação de capitais). Outras reformas possíveis seriam uma lei de proteção da água e dos bens comuns, assim como uma lei de fomento da agricultura familiar que, ao assentar os trabalhadores na terra, reduziria as migrações e, mediante a rotação de cultivos e sua diversificação e um uso racional da água, protegeria o ambiente, além de garantir o abastecimento alimentar nacional. Mas é evidente que este tipo de reformas não está destinado a preservar, mas sim a preparar a mudança do sistema e, portanto, o capital financeiro resiste a elas com unhas e dentes. 

Obviamente, sua aplicação depende da relação de forças entre as classes que possa existir em cada país, do grau de consciência e de mobilização dos trabalhadores, da existência no seio dos governos “progressistas” – o que nem sempre é o caso – de um setor plebeu disposto a ser mais audacioso e a apoiar-se em um bloco sólido formado com os setores populares e de abrir uma via a um período turbulento de transição. O problema chave, portanto, consiste em formar esse bloco com um projeto de transição próprio e em forçar com o mesmo a separação, no magma atual dos governos “progressistas”, dos que realmente querem mudanças populares, mas se subordinam hoje aos burocratas conservadores e dos reacionários que consideram naturais as políticas do capital e sustentam que não alternativa possível a elas. 

Os intelectuais que, em nome do realismo e para defender “o mal menor” aceitam sem reclamar as políticas neodesenvolvimentistas debilitam a saída popular e reforçam o grande capital. E os que, em trocam, condenam justamente essas políticas, mas não oferecem outras, viáveis, teoricamente capitalistas, mas incompatíveis na realidade com o capital, são tão impotentes como os primeiros. Nem uns nem outros confiam que esse tipo de “reformas revolucionárias”, se impostas com o respaldo de uma mobilização popular, reduziriam grandemente o poder das classes dominantes e mudariam a relação de forças no país e na região. 

As medidas mencionadas, mais outras, como por exemplo a unificação dos recursos de vários países para criar uma Universidade latino-americana que não forme técnicos e profissionais para o capital, mas sim os futuros defensores de um desenvolvimento científico e tecnológico anticapitalista, ou de um pólo tecnológico comum que não esteja subordinado aos interesses das empresas privadas e que estude e organize a preservação dos bens comuns e a utilização racional dos recursos, aumentariam, ao mesmo tempo, a produção e a produtividade assim o aprendizado popular de uma planificação local de recursos e necessidades para ampliar os espaços democráticos e culturais conquistados. Uma lei de controle dos trabalhadores sobre a contabilidade empresarial permitiria igualmente reduzir as suspensões e demissões e racionalizar a produção industrial, fornecendo as bases para uma reestruturação desde baixo do aparato produtivo. A transição não pode ficar nas mãos de uns poucos iluminados. Ou ela é feita por seus beneficiários ou não será possível. 

Por Guillermo Almeyra  - membro do Conselho Editorial de SinPermiso. 
Tradução: Katarina Peixoto.
FONTE: Carta Maior.

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